quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Uma excepção de Natal

Em jeito de prenda para quem ainda aqui vem com alguma frequência ver se já me passou a pancada e voltei a escrever, deixo um pequeno conto que escrevi a pensar no Natal, embora não esteja directamente ligado à temática em si.
Espero que gostem, um Feliz Natal para todas.


Há muitos, muitos anos, em tempos idos que só o vento recorda, vivia à beira-mar uma princesa de olhos grandes, verdes como safiras.
O seu castelo eram as dunas da praia e os seus conselheiros as ondas que, vaga a vaga, lhe traziam os rumores do mundo distante. Falavam-lhe de terras longínquas, de sabores estranhos, de gente escura como a terra e cantigas enigmáticas e a princesa sonhava, sonhava...
Todos os dias, ao acordar, a princesa saudava o sol e, quando este se punha, despedia-se dele como se fosse da sua família, desejando que voltasse rápido a surgir no horizonte. A princesa amava o sol e amava a bruma que a fazia saltar de curiosidade. Como todos nós, vivia fascinada pelo desconhecido, mas ao mesmo tempo, sabia-lhe bem aquele correr previsível do dia a dia em que tinha o sol como sua companhia.
Certo dia, enquanto apanhava conchas e cantava com o vento que assobiava nas falésias, encontrou, quase que por acaso pois era uma princesa muito distraída, um objecto que lhe aguçou a curiosidade. Por entre algas e espuma do rebentar das ondas, um estranho artefacto brilhava ao sol. Primeiro a medo, depois confiante, aproximou-se decidida e, conforme se aproximava, a forma arredonda não dava para enganar. Era um anel. Lindo, de ouro polido e com uma pedra imponente que a fez estremecer de emoção. Como poderia aquele quase perfeito anel ter dado à costa naquele seu minúsculo reino?
Colocou-o apressadamente no indicador direito e ergueu a mão ao sol, como que pedindo aprovação ao seu fiel companheiro dos dias longos.
Maravilhada, começa a dançar alegremente pelo areal fora, suscitando a curiosidade dos seus súbditos as ondas. Exausta da correria deixa-se cair de costas e fecha os olhos. Sente a areia húmida colada ao corpo e a brisa leve a sussurrar-lhe ao ouvido "abre os olhos".

Obediente, erguendo-se, abre os olhos e vê distintamente o corpo de um rapaz, mais ou menos da sua idade, que à primeira vista lhe parecia idiota ou talvez apenas perdido.

- Perdoe-me importuná-la menina, sabe onde me encontro?

O sobressalto não a impediu de responder prontamente.

- Menina?? Eu sou uma princesa! E este é o meu reino da areia e do sol!

- Mil perdões majestade. Não era minha intenção ofendê-la. Sabeis dizer-me o caminho para casa?

- Pois se não sei onde viveis...

- Vivo no reino das nuvens e dos arco-íris. Andava a brincar à apanhada com os relâmpagos e infelizmente... acho que caí e vim aqui parar.

- Não sei que lhe diga, aqui não pode ficar. Este reino é meu e só meu.

Um silêncio constrangedor apoderou-se do espaço entre ambos, sendo apenas cortado pelo quase inaudível som de uma lágrima a escorrer pelo rosto do jovem perdido.
A princesa, tocada pelo olhar triste e visível desespero do recém-chegado, ofereceu-lhe guarida para passar a noite, com a condição que no outro dia partisse na sua busca pela forma de regressar ao seu reino de nuvens e arco-íris.
Ao crepitar de uma fogueira, sob o olhar atento e misterioso da lua, a princesa ouviu as histórias desta paragem desconhecida e ficou a saber que também ele era um príncipe no seu reino. Deixou-se levar pelas canções envolventes que ele lhe cantou e dançou timidamente quando o vento a empurrou para os seus braços.
Como uma estrela cadente, este fascinante príncipe caíra nos seus dias e, quando o sol já ameaçava surgir, a lua despediu-se e a sós, beijaram-se sob o sorriso das estrelas que também estavam de partida.
Completamente arrebatada, pediu-lhe, sussurrando, que não partisse.
Já sob o sol quente, aprovador, adormeceram de mãos dadas.

- Vem comigo.

As palavras doces acordaram-na de um sono que lhe deixara as maçãs do rosto doídas. De certeza que dormira a sorrir.

- Para onde? Nem sabes como regressar?
- Contigo encontrarei uma forma.

Despedindo-se do seu castelo de dunas e dos seus súbditos as ondas, abalou de mão dada com o príncipe que não esperava mas que lhe caíra dos céus.
Conta o vento nas falésias que treparam para o reino das nuvens e dos arco-íris por um raio de sol reflectido no anel que a princesa encontrara embrulhado em algas e espuma das ondas.
Ainda vivem nas nuvens, ainda correm nos arco-íris e sobretudo, ainda nos sussurram através do vento. Para os ouvirmos, para sermos arrebatados, basta estarmos atento. Afinal de contas, o nosso reino de solidão tem sempre espaço para mais alguém.

Feliz Natal.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

It's over...


Num dia de manhã chuvosa o blog Uma Casa na Praia, encerrou as portas.
Os motivos são vários, mas vão ficar todos por dizer. Aos que me seguiram ficam o meu muito obrigado e um grande pedido de desculpa.
Até breve...

terça-feira, 9 de novembro de 2010

A rapariga na janela III


Nervosa, correu até casa, por entre gente que despertava para mais um dia de trabalho e restos humanos da noite a tresandarem a vinho e luxúria. Nunca soubera a que sabia o toque de um homem, o roçar da pele, o acalmar do desejo que tantas vezes sentira subir-lhe pelas coxas e desaguar entre as pernas, a ansiar de ter um corpo no seu. Nunca sentira nada a não ser o que as letras impressas lhe transmitiam. Iria o punhal mudar isso?
Chegada a casa, derramou-se autenticamente no chão da sala. A adrenalina fazia-lhe as mãos tremer e o coração bater em taquicardia enquanto desembrulhava mais uma vez o misterioso punhal. Sentindo o toque frio da sua lâmina no rosto deslizou a ponta ameaçadora pelo pescoço, até ao peito e num movimento brusco rasgou a blusa amarfanhada que vestira à pressa poucas horas antes, deixando o peito virgem de qualquer toque, de quaisquer lábios, nu ao ar abafado da casa vazia. Deixou-se cair de costas sobre o soalho e abraçou bem forte o punhal com ambas as mãos contra o peito arrepiado do frio.
Com as lágrimas a escorrem-lhe pelo rosto, motivadas por tudo e por nada, adormeceu sob o olhar de retratos antigos de olhar reprovador e o tic tac do relógio pago com o dinheiro das minas.
No sono perturbado de uma alma sonhadora, viu-se num quarto vazio, sem portas nem janelas, sentada numa cadeira sem se poder mover. Numa pequena mesa estava o punhal e uma foto de um homem sem rosto. A escorrer num dos cantos, uma espécie de água avermelhada, brilhava com a pouca luz que as frestas do tecto deixavam entrar. Quis gritar e não conseguiu. Não tinha boca.
Um livro aberto no seu colo nu, exibia uma frase enigmática, "a tua mão no punhal segura a resposta".
Acorda bruscamente com o som de pancadas fortes na porta de casa. Estremunhada, sem se dar conta que tinham passado horas, olha em seu redor e tudo está igual. O punhal está marcado nos seus seios e um leve fio de sangue escorre-lhe pelo peito até ao umbigo. Adormecera agarrada a ele como se estivesse agarrada à própria vida.
As pancadas estavam cada vez mais fortes e faziam estremecer o ar solitário da casa. Pé ante pé, aproxima-se da porta e reconhece uma silhueta familiar. Seria possível? Depois de tantos silêncios cruzados na rua, ele estava a bater-lhe à porta. O que poderia Alberto querer dela?

(continua)

domingo, 7 de novembro de 2010

Escrever


Escrever é a minha forma de enganar a solidão que sinto nas ruas cheias de gente que tenho dentro de mim.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Haiku

Vou experimentar, a partir de hoje, uma nova técnica de poesia, o Haiku.
Para saber mais, clicar AQUI.

Espero que gostem.

As folhas secas
rodopiam pelo chão
a chuva cai.


folha vazia
parede de cal deserta
poema esperado.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A rapariga na janela II


O dia nasceu à pressa, sem lhe dar tempo de se vestir a preceito. Abotoando ainda a camisa, saiu de casa e irrompeu, intempestiva, na rua ainda deserta. Os sinos da igreja ecoavam pelo casario e a bruma retirava-se suavemente acompanhando o partir da noite, enquanto os galos competiam entre si saudando o sol que despontava.
Seguiu anónima pela podridão das vielas, em passos apressados e sôfregos, no mesmo ritmo em que corria os olhos pelas páginas de uma perseguição como a que lera na noite anterior.
No labirinto das letras que antes lhe parecia um imenso desconhecido, tornara-se navegadora, mestre do seu destino. Hoje seria mestre da sua vida também.
A vida em que se lia, a vida em que se movia, sabiam-lhe a mistério, a encanto, a descoberta, ao desejo de ser mais do que aquilo que a tinham deixado ser. Quando lia era livre, era ela. Estava na hora de também o ser na realidade.
Quando finalmente se acercou da velha oliveira olhou para trás. Ninguém a tinha seguido. Encostou-se ao tronco, ofegante, recuperando o fôlego.
O rosado do céu da aurora dava agora lugar a um tímido azul com pequenas nuvens aqui e ali. Estavam todos na missa, pensou. Era a altura ideal.
Sem perder tempo, tacteou a raiz da velha árvore até encontrar a reentrância. A medo, inseriu primeiro a mão, depois o braço quase até ao cotovelo, sentindo terra, musgo, lascas de madeira e teias de aranha e, quando estava prestes a desistir para procurar do outro lado, sentiu a forma longa e achatada. Sem esforço retirou-a e sentou-se no chão frio e húmido de orvalho. Sobre o colo começou a abrir o misterioso embrulho...
Um vento forte, inesperado, soltou-lhe o cabelo e enfunou-lhe a saia como se uma vela fosse. Apressadamente, voltou a dobrar, incrédula, o pano que cheirava às entranhas da terra e a tempos esquecidos. A mensagem no vidro da janela, onde desenhara os corações na noite anterior, era verdadeira. O punhal era real.

(continua)

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

A rapariga na janela


Vivia sozinha ao fundo da rua, aconchegada por meia dúzia de gatos vadios que recolhia de tempos a tempos.
O escuro das noites já não a assustava, aprendera a amá-lo ao som do relógio de corda que herdara do avô, homem de ombros largos e sorriso ausente, feito a pulso nas minas de Tungsténio, agora um museu às moscas.
Nunca casara. Nestas noites de solidão lembrava-se do Alberto que a mãe afastara com tanto afinco porque não era filho de boa gente. O moço acabara por se fartar e casar com a primeira que lhe apareceu à frente.
Quando se cruzavam na rua, ela baixava o olhar para a calçada e ele fazia menção de dizer algo que nunca passava a garganta. O silêncio dizia tudo.
Após a morte da mãe, refugiara-se nos livros que devorava, vivendo tórridos romances com as personagens, sofrendo das suas angústias e dos seus medos, rindo à gargalhada com as suas desventuras.
Criara um mundo só seu, onde só a recordação do Alberto a puxava para o mundo real. Vivia do que a mãe lhe deixara e de sonhos perdidos, revividos em livros.
Quando a noite chegava, fria como a alma que habitava o seu corpo por amar, espreitava à janela e desenhava corações no vidro embaciado pela respiração. Poderia o amanhã ser realmente um novo dia?

(continua)

Uma Casa na Praia no Facebook

A partir de hoje já podem seguir o blog Uma Casa na Praia no Facebook, basta clicarem,

AQUI :)

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Ensaio de amor sobre o Tejo

Como o som de um piano,
deambulas por entre rostos de Outono,
até à beira rio.
O Tejo tem algo de humano,
ri como um homem,
beija como a saudade de quem ama.
O Tejo,
O Tejo tem alma.

Nos teus olhos correm crianças que,
descendo colinas verdes de sonhos,
saltitam como quem dança, colhendo papoilas.

Sentada, sentes a água
e o barcos que passam, recolhendo a casa.
As gaivotas rodopiam,
e os carros apitam como despertadores.
Despida, entregas a mágoa,
à corrente que passa e não volta.

A compasso, desenhas os passos com que te afastas,
deixando a maresia solteira.
No teu encalço, não há mais memórias,
nem sonhos, nem histórias.
O Tejo, que tem alma de pássaro, voou
e levou com ele toda a dor.

As suas margens são a pauta onde escrevemos a sinfonia,
este adagio perfeito,
onde abraçados terminamos o dia.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Ateia-me

ateia-me
consome-me
estende nos lençóis todo o calor,
cai sobre mim como uma vaga,
povoa-me a terra estéril de amor.

inunda-me
circunda-me
desbrava até mim o caminho,
sê a febre que se alastra,
mata-me o desejo devagarinho.

Nasce, vive morre,
abre, a quente e sente,
minha força, concreta, insane,
meu amor incerto disforme
a vida que se materializa no teu grito
ao ecoar eterna em meus lábios.

domingo, 24 de outubro de 2010

A cidade


A cidade amanhece aos poucos, enquanto o cheiro a ria, o mar, a lodo, inunda as ruas despidas de gente. O sol do Outono, esplendoroso, reina alto no céu, apesar de ainda ser bem cedo.
Os sinos repicam a chamar para a missa do dia santo.
Um ou outro casal, vestido a rigor, passeia-se por entre gaivotas atentas, pousadas nas proas dos barcos ancorados e o matraquear das cegonhas altivas que, nos beirados mais altos, vigiam as ruas, atentas a todo o movimento.
Aos domingos de manhã não há carros, ou quase não há. Não há barulho, não há movimento. A languidez do dia contagia tudo e todos. O tempo leva mais tempo, as horas deslizam, não correm.
O som do moinho de café que sai de algumas portas anuncia o aroma que rápido chega ao meu encontro. Deixo-me levar pelo despertar dos meus sentidos. Pela viagem que me leva até terras longínquas onde arbustos enchem as paisagens de pequenas pérolas rosadas que depois da torra, chegam a todos os cantos deste mundo.
Neste pequeno pedaço de universo, de prédios antigos e ruas esquecidas, sigo a calçada gasta do tempo e vou até ao mar. Atravesso a linha do comboio, também ela adormecida e respiro fundo, como se me estivesse a alimentar desta maresia que todos os dias vive presente na cidade mas que hoje, Domingo, apogeu da contemplação, parece mais viva, parece mais real.

A varanda sobre o casario.

Repousas na varanda sobre o casario,
abres as asas num sorriso,
fechas os olhos,
e navegas rente aos telhados,
descendo as colinas até ao rio.

A alma é livre quando se alimenta do mundo,
quando se entrega sem esperança,
quando se fixa no luar.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Foto de mar e poema de céu


O céu desceu em pedaços sobre mim,
sob os meus olhos,
e fez-se paraíso quando do teu sorriso
brotaram as primeiras ondas da maré.

O batel desgovernado,
fez-se em teus seios abrigado.

Fiz da areia que levaste no corpo,
o vidro deste copo em que mato a sede,
o sal desta fome que me consome,
a prece desta religião sem fé.

Faço dos dias as noites mais longas,
e das esperas eternidades,
na busca de um pouco mais de agora
na busca de ti, sem fim.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

As tuas palavras

As tuas palavras são como searas ao vento,
ondulando a paisagem,
rodopiando como um remoinho,
levantando pasto e pós e sementes,
que depois de tanto viajarem, se deitam à terra
(que me lembra os teus olhos)
e germinam para cobrirem de verde o vasto
e impreciso mar das planícies.

Os teus segredos são espelhos de cristal,
que reflectem o bem e o mal
de em meus passos inseguros
caber toda esta incerteza, todo este silêncio mudo.

No florir de cada árvore vive um segredo,
que se estende além do medo e se espelha no luar.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Soneto

O céu enchia-se de farrapos de azul,
e as noites pareciam morrer cada vez mais cedo,
quando vinhas devagar, em segredo,
rumando até mim, como um pássaro ao sul.

Da tua boca saíam notas de uma balada,
do teu cheiro sorriam cantando cigarras,
quando nos lençóis soltávamos amarras,
e navegávamos incertos pela madrugada.

Enquanto caía a noite e o céu se enchia de estrelas,
no promontório que se debruçava sobre o mar,
pintei um quadro de saudades a aguarela.

Os teus olhos eram a brisa e o voo das gaivotas ao luar,
o meu rosto era a sombra na parede à luz da vela,
o meu medo era era ter de partir, era ter de ficar.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Meu corpo


Meu corpo é um comboio que descarrila no teu,
um avião prestes a levantar voo
sem autorização para voar.
Meu corpo é as linhas que escreves
quando não tens nada para escrever
e te limitas a desenhar coisas imperceptíveis numa folha que amarrotas
e deitas ao vento.
Meu corpo é os segredos
de uma floresta esquecida
de uma ilha perdida numa vastidão qualquer deserta.
Meu corpo é incerto,
mas com o teu por perto,
cresce e vagueia por mundos desconhecidos.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Não chove em teus braços

Nos teus braços não chove,
há apenas uma bruma que se entranha
e faz desejar o infinito.
Não há tempestades nem ventos do norte,
nem choros esquecidos
nos vales, nos montes.

Relembro-te como relembro as ruas que percorri de mochila às costas
e destino nas mãos.
Sinto-te como se morasses nos meus gestos,
e em cada golo de água,
matasse a sede que tenho do teu corpo, e do meu,
porque já não se distinguem um do outro.
Não depois de todas as tardes,
não depois de todos os acordares a olhar o céu.

Não, não chove em teus braços,
e as estrelas já não são mais que pedaços
do teu sorriso a contemplar-me.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Ouve

Ouve a água que cai das telhas,
enquanto me abraças a boca com os teus olhos de veludo.

Ouve quando te sussurro que,
de todos os castelos que visitei em silêncio,
foste o único do qual via a mundo
e o rasto das aves a voarem para o sul.

Na guarita de vigia,
passávamos todo o dia a desenhar poemas na voz
e a cantar canções ao eco,
dedilhando guitarras que só nós víamos.

Depois, depois descíamos,
e chegados à fonte, que nos dava de beber,
sorríamos sem saber,
porque éramos felizes.

Quando a noite chegava,
fazia deslizar o teu vestido,
murmurava-me pelo teu corpo
e silenciava-me nos teus ais.

Ouve-me quando te espero na espera,
e quando o amor é tão certo,
como o vento do deserto
que sereno, muda as dunas de lugar.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Derivado

De todas as coisas derivadas,
há o teu amor que tem muito de absoluto
e nada de relativo.
Relativamente a isto, acho que é derivado de coisa nenhuma e,
ao mesmo tempo,
de toda a essência do mundo.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Nostalgia

Audrey Hepburn (1929-1993)

A verdade? A verdade é que um sorriso nunca envelhece...

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Fresta


A porta do meu quarto entreaberta,
cria uma fresta,
por onde a luz invade e me abraça o corpo dormente
sempre que me deito a jogar horas à parede.

Nas almofadas amarrotadas,
neste azul amarfanhado de lençóis solitários,
escondem-se as memórias
e as saudades,
de quando a luz que me abraçava
não vinha do corredor,
mas sim do candeeiro que acendias,
quando te querias perder no meu olhar ensonado.

Então, tapava o rosto com o lençol,
fechava os olhos, e dizia que te amava,
à espera que não me ouvisses.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Delírios

No céu do meu quarto, todos os sonhos são sombras que o candeeiro desenha, à espera que a luz se vá, arrastada, como o vestido de noiva que nunca te despi e tão orgulhosamente carregavas naquela carpete vermelha.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Pedaços

Naquela estrada rente ao palácio,
fomos tu e fomos eu,
e fomos beijos e sede
e tudo o mais que música nos dizia.

No meio dos abraços descobrimos
que nada já era inteiro,
que nos movíamos a pedaços.

Se ao menos tivéssemos sobrevivido ao pôr do sol,
talvez não me tivesse perdido no regresso a casa,
e ainda hoje vagueasse por essas ruas de prédios frios como a chuva.

domingo, 19 de setembro de 2010

Não sei se sabes

Não sei se sabes, mas és linda como uma nuvem.
Povoas um céu desterrado,
desmaiado de azul,
desconcentrado de tanto se olhar.
Não sei se sabes, mas os espaços
encheram-se de vazios,
e as cidades desertas de Domingo à tarde,
incendiaram-me de sede,
enquanto tocavas as páginas do livro que lias.
Não sei se sabes, mas as verdades,
só se materializam na cama,
quando se dorme e se sonha,
quando se acorda e se ama.
Não sei se sabes, mas no rosto que te espera,
há sempre um sorriso escondido,
à espera que o reveles.

sábado, 4 de setembro de 2010

domingo, 22 de agosto de 2010

Paraíso

Paraíso

Deixa ficar comigo a madrugada,
para que a luz do Sol me não constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
deita sumo de lua e de laranja.

Arranja uma pianola, um disco, um posto,
onde eu ouça o estertor de uma gaivota...
Crepite, em derredor, o mar de Agosto...
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!

Depois, podes partir. Só te aconselho
que acendas, para tudo ser perfeito,
à cabeceira a luz do teu joelho,
entre os lençóis o lume do teu peito...

Podes partir. De nada mais preciso
para a minha ilusão do Paraíso.

David Mourão Ferreira

Tough Times Uptown - Lonette McKee - Ill Wind

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Soneto à beira-mar

Meu peito é como as ondas do mar,
como um vale escondido repleto de verde,
ou uma fonte esquecida que morre de sede.
Meu peito é um silêncio a borbulhar.

Meus braços são dois troncos despidos,
dois campos ondulantes de trigo dourado.
São uma guitarra que geme sem fado,
dois tesouros em busca de quem os ache perdidos.

Ao longe um veleiro cruza o horizonte.
Na ilha em que habito não há sombra,
apenas um castelo de areia com o mar defronte.

No teu peito navego, no teu peito me encontro,
mas nesta alma despida que o vazio assombra,
há uma rosa vermelha, onde vivo, onde me escondo.

domingo, 1 de agosto de 2010

Férias

De que são feitas as minhas memórias?

De campos de trigos e azinheiras sós.

Esta semana vou recordar tudo isso.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Recadinho a uma figura pública em ascensão


Mafalda Pinto Leite, não és sexy, cozinhas coisas estranhas e pouco apetitosas e as tuas dicas de cozinha roçam a inutilidade e o supérfluo.
No fundo tens muito pouco de Nigella Lawson.

Ah, e aconselho-te a rever o conceito de ananás maduro!

Ps: Acho muito triste perdermo-nos em imitações rascas quando somos dos povos mais originais e criativos que conheço.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Vénus num céu que adormece

Na dança celeste de azul e laranja,
vejo o corpo nu vergado na janela,
com os olhos castanhos marejados a dor.
Na verdade que não se escreveu,
perde-se nos sentidos que sonhara,
e na certeza de quem nunca esquece
seca as lágrimas
em Vénus num céu que adormece.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Lost in translation

Sinto que algures no caminho me perdi na tradução de uma história de amor.
Começo a achar é que a solidão é o verdadeiro amor da minha vida.

alone again naturally...

terça-feira, 6 de julho de 2010

As lágrimas que o mar leva

As lágrimas que o mar leva
são os acordes de uma guitarra que chora
ecoando na falésia escarpada
do teu corpo agora proibido.

Se houvesse sentido para um sorriso perdido,
se houvesse o livro,
cheio das palavras e definições de um olhar.
Se as escadas subissem e a queda não fosse a pique,
o mar bateria sereno na areia,
escutando os gemidos de quem se amou e se perdeu
num pinheiral
despido de verdades como é o amor.

domingo, 4 de julho de 2010

sábado, 3 de julho de 2010

Azeitona

Há no limiar da tristeza
um escuro cor de azeitona
a melancolia de uma cor que cai,
num ocaso sem luz, sem chama.

Nos nós que se espelham em frente
não há espaço para gente.
A solidão espera quem espera,
e num barco à vela, dói a quem tem de remar.

E o sol que me queima, enquanto vagueio pelo olival,
relembra um sorriso que cheira
e se sente na mão que se dá
a quem, por vezes, tanto se anseia.

sábado, 26 de junho de 2010

La marée haute



La route chante
Quand je m’en vais
Je fais trois pas…
La route se tait

La route est noire
À perte de vue
Je fais trois pas…
La route n’est plus

Sur la marée haute
Je suis montée
La tête est pleine
Mais le cœur n’a
Pas assez

Mains de dentelle
Figure de bois
Le corps en brique
Les yeux qui piquent

Mains de dentelle
Figure de bois
Je fais trois pas…
Et tu es là

Sur la marée haute
Je suis montée
La tête est pleine
Mais le cœur n’a
Pas assez

quarta-feira, 23 de junho de 2010

O merceeiro

Dentro da minha memória de infância, por entre os retalhos do que já esqueci, há algo que deixou a sua marca e, embora esta também já tenha perdido os contornos definidos de uma verdadeira memória, ficaram os fragmentos e, sobretudo, os cheiros.
Vivi até aos oito anos no campo. Não numa localidade rural, mas efectivamente no campo, num monte ladeado de cedros povoado de pássaros que cantavam livremente e se calavam à nossa passagem.
Foi aqui que aprendi o cheiro e o sabor da natureza. Foi onde aprendi a ver a chuva bater nos vidros das janelas e escorrer, formando regatos que a minha imaginação animava. Foi quando aprendi a amar os animais, as plantas, o cheiro da terra molhada nas tardes de Outono em que o verde das searas cobria a paisagem, ocupando o espaço do castanho da terra lavrada.
Lembro-me de ver borregos a nascer e do caiar das paredes no fim da Primavera. Lembro as lareiras e os enchidos no fumeiro, o barulho dos tractores ao longe, esventrando a terra, os caçadores que todos os domingos e quintas-feiras calcorreavam quilómetros...
São estes pedaços que tento agrupar e formar uma recordação coerente de tudo o que passou, mas, quanto mais tento, mais distante me parece.
Como comecei por dizer ao início, há um episódio que ficou marcado. Talvez pela expectativa que me criava ou simplesmente porque estava destinado a revivê-lo pelos aromas.
Todas as semanas, não recordo o dia especifico, o velho jeep Land Rover subia a pequena inclinação que ligava a estrada principal à entrada do monte e buzinava duas vezes. Não me lembro se corria ou se simplesmente já o esperava. Sei que não cabia em mim de excitação, e, quando a minha mãe chegava, era ver o senhor António abrir as portas de par em par, e deslumbrar-me com o seu mundo de mercearias ambulantes.
Havia de tudo, desde chocolates, a sabão, pão, enchidos, coisas para a escola, tintas, bolos, queijos, tudo o que a minha imaginação alcançava e muito mais. Havia como que uma novidade permanente sempre que este senhor, cujo rosto já esqueci, naquilo que hoje em dia percebo ser apenas um ganha pão, nos visitava. Para mim era um vendedor de sonhos. Não daqueles utópicos e irreais, sonhos concretos, como uma chocolate da regina, ou um lápis novo para levar segunda feira para a escola. Era alguém que transportava aquilo que eu hoje valorizo mais. Ingredientes! Era com o que ele trazia que aprendi a ver a minha mãe transformar em algo delicioso. A sua feira de cores e sabores, fez-me querer aprender a verdadeira alquimia que é cozinhar.
Tudo isto pode parecer banal, mas ,ainda hoje, sempre que entro numa velha mercearia com armários de madeira e balcão gasto pelo tempo e pelas gentes (cada vez mais difíceis de encontrar), recordo-o tudo isto com carinho.
Com a alcofa aviada, a minha mãe voltava para casa e eu ficava a vê-lo partir na mesma estrada que o trouxera. Agora era tempo de arrumar as compras e deliciar-me com uma sombrinha de chocolate ou uma bomboca.
Nestes tempos em que a frieza acompanha as nossas idas às compras, normalmente em hipermercados desprovidos de calor, é bom recordar que nem sempre foi assim.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Entre o aqui e o além

Entre o aqui e o além
dorme sossegado o ser.
As andorinhas voam para sul,
quando já não há mais nada para amar.
Entre o que foi e o que está para acontecer,
corre um rio de verdades,
onde vagueia um náufrago de saudades
fugido das margens,
cansado dos tombos de tantas viagens.

O dia nasceu azul, dando as boas vindas ao Verão.
Anoiteceu calado, por já não haver nada para contar.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Post eventualmente chocante

Música original: "soltem os prisioneiros" by Delfins

Calem as vuvuzelas
calem as vuvuzelas
em todo o mundo há vuvuzelas
em todo o mundo

Calem as vuvuzelas do Rio de Janeiro
De Lisboa, Porto, Ofir, Aveiro
Guimarães, Faro, S. Paulo e Timor
Calem as vuvuzelas do montanheiro e do brenho
Calem-na, não quero ficar surdo
Tapem essa gaita, encham-na de papel
Essa vuvuzela que toda a gente vê
Essa vuvuzela que já ninguém atura

Calem!
Calem!
Calem-nas!...

calem as vuvuzelas
calem as vuvuzelas
em todo o mundo há vuvuzelas
em todo o mundo

Eu tô sem ouvir, feito num otário
Sem sair do lugar, feito um canário
Hã! Pelo que disseram lá na adega
Eu acho que tenho o direito de partir essa merda
Nós somos fortes no arremesso
E a mão é mais forte que o plástico
Livrar-nos delas é preciso, contra a Galp marchar
Se não encontrarmos nenhum sitio, é mete-las no cu de quem soprar...

Calem!
Calem!
Calem-nas!...

calem as vuvuzelas
calem as vuvuzelas
por todo o mundo há vuvuzelas
por todo o mundo

Em busca do silêncio corremos todos
Em busca da harmonia ficamos surdos...
Senão guardam a merdas vuvuzelas
Faço o que o Saddam fez aos curdos

sábado, 5 de junho de 2010

Un jour...


Não seriam mais que oito horas na manhã, pois apesar de quente, o sol ainda se anunciava.
Abri as janelas de par em par, convidando o dia a entrar nesta casa onde as paredes continuavam vazias, apesar dos quadros que as cobriam e dos aromas que invadiam altivamente todas as divisões após uma fuga inevitável do forno quente. O bolo estava quase pronto e o café pingara a última gota do filtro, criando anéis concêntricos perfeitos na cafeteira meia de café.
Controlando a ansiedade que ameaçava apoderar-se de mim, tirei a caneca, que pus suavemente sobre a mesa, onde já a esperava o guardanapo vincado.
Tirei o bolo do forno, desta vez sem me queimar. Desenformei e cortei uma fatia que, parecendo-me pequena, fiz acompanhar de outra.
Sentei-me por fim, já inebriado pelos aromas e sabores-promessa que a nossa mente tem a admirável capacidade de antecipar com imagens tão sugestivas que acreditamos, por vezes, poder trincá-las.
Era uma manhã igual a tantas outras e, como tal, deixei-me levar em pensamentos, enquanto me deliciava com o bolo de maçã e o café acabado de fazer, sem açúcar, amargo, forte, intenso, como a vida deve ser. Como a vida me habituara a ser.
A solidão não me assustava. Aprendera a gostar do silêncio característico das casas de uma só alma.
A saudade sim. Essa era a sombra que pairava no último rodar de chave quando partia pela manhã, e me esperava de braços abertos ao primeiro ligar de interruptor, quando, a altas horas, voltava do trabalho.
Nunca vivemos verdadeiramente sós. Nunca nos deitamos na cama sem uma recordação, sem uma sensação do que já vivemos. Nunca esperamos realmente por alguém, porque esse alguém já vive em nós, tenha ele acontecido no passado, ou seja apenas fruto da nossa imaginação. Assim, a solidão acaba por ser irreal, sobrevalorizada, um medo sem razão de ser.
Eram quase horas de começar mais um dia. Ia até à praia, ver o mar, sentir o cheiro, afogar a saudade e esperar, como esperava todos os dias.
Levantei-me e encalhei no gato que mirava o aquário. Não me zanguei com ele, afinal de contas, todos temos o direito a sonhar, a desejar algo proibido.
Saí para a rua e assim começou mais um dia.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

João Aguiar


Morreu hoje um fazedor de sonhos, um agitador de imaginários.
Que descanse em paz.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Poema solto na tarde quente

A solidão
é a areia que se prende ao corpo que renasceu
nas praias onde o Verão se esquece
que o amor não é eterno.

A saudade é a linha traçada
de um poema incompleto,
derramada numa folha de árvore
arrependida em papel.

O segredo vive na esperança
desregrada, transpirante,
da dança esquecida
num céu cruzado de aves migrantes.

O véu que te encerra,
esvoaça ao vento
não tem rumo
não tem tempo.

sábado, 29 de maio de 2010

terça-feira, 25 de maio de 2010

I'd do anything for love...



"Anything for love
Oh, I would do anything for love
I would do anything for love, but I won't do that
No, I won't do that

Some days it don't come easy
Some days it don't come hard
Some days it don't come at all, and these are the days that never end
Some nights you're breathing fire
Some nights you're carved in ice
Some nights you're like nothing I've ever seen before or will again

Maybe I'm crazy, but it's crazy and it's true
I know you can save me, no-one else can save me now but you

As long as the planets are turning
As long as the stars are burning
As long dreams are coming true
You'd better believe it, that I would do

Anything for love
And I'l be there until the final act
I would do anything for love, and I'll take a vow and seal a pact
But I'll never forgive myself if we don't go all the way, tonight
I would do anything for love
Oh, I would do anything for love
Oh, I would do anything for love, but I won't do that
No, I won't do that"

terça-feira, 18 de maio de 2010

Anúncio de um regresso.

Meus queridos e minhas queridas, quero informar-vos que importei para esta conta do Google um blog que tinha terminado há cerca de um ano atrás. Trata-se de um pequeno conto que infelizmente deixei a meio mas que com o vosso carinho e opiniões acredito que é desta que o vou terminar. Peço-vos então, a quem ainda não conhece, que dê uma vista de olhos pelos capítulos já escritos e publicados e que me dê a sua opinião. A quem já conhece, peço desculpa pela demora :)

Para acederem cliquem AQUI.

PS: Sugiro que, através do arquivo, peguem a história do início e vão seguindo os capítulos (o primeiro e o segundo estão trocados, não sei bem porquê, mas acedam pelo título).

quinta-feira, 13 de maio de 2010

A crise

Após passar uns dias praticamente alheado do mundo, não tendo sequer tempo de festejar convenientemente a vitória do nosso Benfica, nem a visita do Papa Joseph "Rezinga", vejo-me forçado a comentar a recentes medidas de austeridade que, ao que tudo indicada, nos vão cair em cima forte e feio.
Não quero contudo alongar-me demasiado, nem perder-me em explicações monótonas de porque é que no meu entender se tratam de medidas erradas e pouco justas. Quero simplesmente dizer que o mal está na raiz. E a raiz não é de hoje, tem séculos. Começou como uma pequena semente no início do século XIX, altura em que foi criada a primeira constituição portuguesa que, por seu lado, veio dar origem a um governo de monarquia constitucional que abriu portas ao surgimento de um grupo, inicialmente pequeno, os políticos.
Ora, desde esta altura que o país é deles. Não fomos nunca um poder do povo (conotações marxistas à parte). Não o fomos na monarquia absolutista, nem na constitucional, nem na primeira república, ditadura, democracia... Não somos, nunca o fomos. Somos seguidores de vontades deste grupo de interesses que servem os seus próprios interesses.
O vislumbre que o 25 de Abril proporcionou, não o aproveitámos. Os que antes diziam "isto é meu" e metiam ao bolso, foram substituídos pelos que diziam "isto é nosso" mas continuavam a meter ao bolso. O pós 25 de Abril foi mais do mesmo. Os ricos a serem cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.
Como dizia um filósofo francês cujo nome não me recordo, A ditadura diz "cala-te", a democracia "bem podes falar".
Este é, provavelmente o texto mais revoltado que alguma vez escrevi, mas não consigo calar a minha indignação. Estas medidas de austeridade vão cair directamente em cima de nós que já é quem mais paga pela crise. Pagamos no dia a dia, no sofrimento, na luta, no resignar a más condições de trabalho porque se nós não o fizermos, ouvimos logo um "há quem não se importe de fazer".
Não vejo solução para isto, nem tão pouco soluções para reduzir o défice, no entanto, acredito que estaríamos mais perto da solução se surgisse alguém mais humano, verdadeiramente preocupado com os destinos do país, bem como com o bem-estar das pessoas. Alguém que compreendesse que a justiça social aumenta a produtividade. Cidadão feliz e satisfeito, que sinta que os mais ricos pagam mais e os pobres menos, que cada um, sem excepção, paga a sua parte, e que veja para onde vai a sua parte, que sinta que vale a pena o sacrifício, e veja no seu dia a dia a aplicação dos seus impostos, é um cidadão mais solidário.
Com toda a certeza que não estaríamos todos felizes, mas seríamos uma sociedade mais justa, mais solidária, e isso dar-nos-ia a coesão de necessária para fazer face às adversidades. Uma sociedade deve ser uma família e esta onde vivemos não o é. Somos apenas um rebanho de ovelhas desgarradas, tentando cada uma sobreviver por si.
Como já dizia o Eça, "os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e ambos pela mesma razão".

terça-feira, 4 de maio de 2010

Depois do almoço

- É depois de almoço e apetece-me despir-te.
- Aqui? 'Tás louco!
- Talvez esteja...

A rua afunilava numa viela esquecida por todos excepto por um ou dois gatos que a haviam tomado como seu território. Ao fundo, uma árvore enorme tornava o pequeno espaço entre paredes ainda mais sombrio e tentador. O pequeno banco à sua sombra, como se de um trono se tratasse, chamava por mim e por ela, como que querendo que fossemos senhores de uma terra de paixão, fogo e prazer.
Li-lhe nos olhos o medo que atava o desejo. Os seus lábios entreabertos, a respiração ofegante mas suave, que tentava a todo o custo disfarçar, as faces ligeiramente ruborizadas, eram a foto de uma mulher sedenta das minhas sugestões. Eu tentava controlar o desejo, mas só ouvia o banco à sombra do velho plátano, escondido de tudo e de todos, chamar por mim, chamar por nós.

- Já estou atrasada. Tenho de ir.

Nisto levanta-se sem me dar tempo de a agarrar. Sei o medo que tinha das minhas mãos, daquilo que lhe provocavam à flor da pele. Pôs o dedo nos lábios e pediu-me silêncio.

- Não digas nada. É nos teus olhos que faço amor, aqui nesta esplanada, dia após dia, sempre depois de almoço. Não quero mais, não podemos ter mais. Não somos certos um para o outro.

Sem proferir sequer um adeus, deixei-a perder-se pelas escadas do metro abaixo, primeiro todo o corpo, depois meio, ombros, cabeça e, finalmente, o cabelo, que me sabia a flores de jasmim de um jardim à beira-mar.
Era sempre assim a despedida. Ela a pedir-me silêncio e eu a acatar, revolto em sentimentos, preso nas sensações, esquecido de mim.
Levanto-me e desço a rua. A tarde amena embeleza-se com sons de uma ópera que ecoam, imunes ao ruído dos automóveis, na rua que desagua no cais. Tento encontrar caras conhecidas, vozes familiares, algo que me apazigue a dor desta solidão. A rua está tão cheia de vazio.
Não me apetece andar mais. Chamo um táxi, entro, sento-me, ignoro a conversa do taxista que versava algo sobre o governo ou futebol ou gajas e perco-me em pensamentos que me levam, invariavelmente, ao seu cabelo de cheiro a jasmim.
Amanhã voltaria a sentar-me na esplanada depois do almoço à sua espera. Ela viria, ou não. O banco à sombra do plátano, na viela esquecida, podia esperar mais uns tempos até ser trono.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Florbela

"O Meu Soneto"

Em atitudes e em ritmos fleumáticos,
Erguendo as mãos em gestos recolhidos,
Todos brocados fúlgidos, hieráticos,
Em ti andam bailando os meus sentidos...

E os meus olhos serenos, enigmáticos
Meninos que na estrada andam perdidos,
Dolorosos, tristíssimos, extáticos,
São letras de poemas nunca lidos...

As magnólias abertas dos meus dedos
São mistérios, são filtros, são enredos
Que pecados d´amor trazem de rastros...

E a minha boca, a rútila manhã,
Na Via Láctea, lírica, pagã,
A rir desfolha as pétalas dos astros!..

Florbela Espanca

terça-feira, 6 de abril de 2010

Regresso


Não querendo passar por presunçoso, acredito que algum dos meus/minhas visitantes se tenham indagado o porquê da minha ausência nos últimos dias. Ora bem, não é grande mistério, estive de férias. Não, não estive no estrangeiro, nem tão pouco de papo par o ar na praia ou piscina, andei de mudanças. É verdade, mais uma vez mudei-me de armas e bagagens e estou agora ainda mais perto do mar, a pouco mais de quinhentos metros desse imenso azul. Mais, em breve, começa a haver barcos para as ilhas e, com uma proximidade tão tentadora, duvido que resista muitas vezes.
Hoje de manhã, ao sair de casa de regresso ao trabalho, dei por mim a reparar em pequenos pormenores, aqueles tais que dizem tudo, e, decididamente, adoro o acordar desta cidade. Não sei se será assim em todas, mas eu quero acreditar que esta é diferente. Soube-me bem ouvir as andorinhas na minha janela, ver uma cegonha cruzar o céu sobre a marina e pousar no ninho e sentir o fresco ar do mar a anunciar um dia quente de Primavera. Pode não ser a cidade mais bonita do mundo, mas é o sitio, de todos aqueles em que já vivi, onde me sinto melhor. É a cidade que eu escolhi.
Voltando às mudanças, estou numa casa em que já vivi por duas vezes, uma por muito pouco tempo, outra por um pouco mais, mas ambas em alturas em que precisava tomar um rumo. Desta vez não é bem esse o caso. O meu rumo está definido ou, pelo menos, começa a estar. O regresso foi um misto de oportunidade e necessidade, como a maioria das coisas que nos acontecem.
Posso dizer que estou muito feliz. Ainda faltam uns retoques aqui e ali, uns quadros, uns apliques nas paredes, o candeeiro do tecto da sala, coisa pouca, mas o essencial já tenho, e a esse essencial muito ajudou esta semana com a minha pequenina e o fim de semana especial a três.
Do muito que se passou em meu redor e sobretudo no meu interior, fiquei com uma enorme certeza, tu mudaste a minha definição de namorada, mudaste o meu conceito de amor.
Bem, vou ali pregar mais uns pregos e arrumar a pilha de roupa para passar a ferro antes que a vontade fuja :)

PS: Is good to be back às lides bloguisticas.

sábado, 27 de março de 2010

Ontem...

... descobri, em Loulé, um sítio dedicado à minha namorada.



Jardim dos Amuados
;-)


ps: sabes que te amo não sabes?

segunda-feira, 22 de março de 2010

Post para vocês

A todas vocês que comentaram o meu post anterior, o meu obrigado.
Não quero, no entanto, que pensem que me acho um pai perfeito, que sou só virtudes e a mãe só defeitos. Sou um pai normal, que tenta ser o melhor que consegue ser para a sua filha. A mãe, sinceramente, do fundo do coração, não a culpo de nada, sei que ela não sabe ser melhor do que é. Quero sim que a minha filha saia, o mais ilesa possível desta situação em que tem que crescer e tornar-se mulher.

Deixo-vos uma música, a dar para o lamechas, mas é o que estou a precisar de ouvir e sentir.




sábado, 20 de março de 2010

Este é...

... provavelmente o post mais errado que alguma vez farei. Não por não ser algo que sinta, mas porque me irá, por ventura, expor demasiado.
Poderia escreve-lo em papel, ou num ficheiro só para mim, no entanto, habituei-me a usar esta forma de expressão. Este meio de ser eu por palavras, de conhecer-me melhor a mim próprio, de despejar mágoas, desejos e anseios. Esta é a minha forma de falar.
Ontem, como todos as sextas-feiras de quinze em quinze dias, foi o início de mais um fim-de-semana com a minha filha. Era, no entanto, um dia especial, o dia do Pai. Algo que até festejei por antecipação aqui, nesta minha casa da alma.
Tudo corria normalmente. Quando lá cheguei a minha filha desceu e, à parte duma pequena constipação, parecia-me bem, cheia de saudades.
No caminho para casa, perguntei o que tinha feito na escola, como tinha festejado o dia do pai. Não me respondeu, parecia com medo e as palavras não lhe saíam. O meu coração quase parou naquele instante, o meu pressentimento, a minha intuição diziam-me o que se tinha passado, mas insisti, até que ela disse.
Tinha feito um calendário e um diploma para o melhor pai do mundo. No entanto não os trazia. Perguntei porquê. A resposta foi óbvia, não por ser correcta ou desejada, apenas porque sei a minha realidade. Esses trabalhos entregou-os ao companheiro da mãe.
À primeira vista, pode até parecer, de certa forma, correcto. É ele que está mais tempo com ela. Mas isso seria num vulgar caso de pais separados.
A maioria, quando se separa das mães, separa-se dos filhos, e é normal que a figura paterna seja substituída.
No entanto, não é esse o meu caso.

Tinha a I. dois anos quando a mãe se foi embora. Partiu, de um dia para o outro, sem avisar. O dia era o do meu aniversário. Passaram cerca de dois meses até voltar a dar notícias e a ver a filha.
Eu, independentemente da separação estar resolvida, tinha o coração partido, por ver a minha filha a sofrer com as saudades. O que fiz? O que qualquer pai teria feito, promovi a reaproximação das duas. Mudei de casa, de trabalho, de zona do país.
Acordei com a mãe a custódia conjunta, o poder paternal partilhado.
Sempre foi minha opinião que o que são dois a fazer, devem ser dois a criar, independentemente de haver sentimento amoroso e/ou estarem juntos.
Tudo corria normalmente, até que um dia, recebi uma carta do tribunal de família e menores de Faro. Sem saber porquê, a mãe pedia tudo para ela. Custódia e poder paternal. Os dias, em vez da metade do mês, como tinha sido até ali, permitia-me ter os fins de semana, de quinze em quinze dias.
Fomos a tribunal, e teve o que pretendia. Eu não aceitei e, revoltado, apresentei um requerimento e voltei a ir a tribunal. Ainda fiquei com menos. Não posso participar na vida escolar da minha filha, não posso visitá-la na escola, não posso ir a actividades no tempo que ela passa com a mãe. O que posso? Segundo o tribunal posso pagar, ter os fins de semana quinzenalmente e 4 semanas de férias num ano, que não podem ser 15 dias seguidos, só semanas separadas.
Em relação à mãe? Bem, não me permite entregar a I. uma hora mais tarde que o estipulado, nem ir buscar uma hora mais cedo. Se eu o fizer, chama a polícia. Como sei? Já o fez...
Em termos emocionais, diz à I. para chamar o "padrasto" de pai, diz-lhe que eu, para ela sou só um nome. Diz que um dia mais tarde, quando ela puder escolher, se me escolher a mim, eu vou ser mau para ela. Diz que eu não presto, que não lhe dou carinho e amor. E o mais triste disto tudo, é que eu fico a saber da maioria das coisas pela própria I.

Voltando ao dia de ontem, quando percebi o que tinha acontecido, fiquei sem reacção. Não conseguia falar, reagir ou pensar. O meu coração parecia ter sido atropelado por mil comboios e duvidei que se reerguesse.
Viemos para casa e, sempre em silêncio, preparei o jantar.
Jantámos em silêncio.
A I. abraçou-se a mim várias vezes e, quando íamos a descer no elevador, para ir buscar a R. ao comboio, pediu-me desculpa. Eu abracei-a.
Quando voltámos, estivemos a jogar a um jogo, deitei-a e adormeci-a a ler-lhe o principezinho (que ela adora). Por volta das três da manhã, foi ter comigo, não conseguia dormir, deitou-se ao meu lado e adormeceu, até agora.
Vou fazer-lhe o pequeno almoço.
Não sei o que pense, o que sinta, o que faça. Sei que a culpa não é dela e, portanto, nunca a vou culpar de nada, mas há algo em mim, uma mágoa, uma dor, que sinto e que dificilmente vai passar.

Espero que tenham tido a paciência para me ler. Às vezes dizem-me que tenho um olhar triste, eu sorrio e nego, mas sei a minha verdade.
Acho que vou continuar como até aqui. Engolir mais um sapo e continuar, mas cada vez mais, sinto que esta é uma batalha perdida. A mãe da I. quer-me fora da vida dela, e aos poucos, vai conseguindo.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Breve


A voz do outro lado do telefone surgia trémula talvez pela emoção que abraçava a conversa que ambos desejavam há muito.
Suspensos do exterior que os envolvia, deixaram-se levar pelos breves minutos de palavras trocados sob um sol que despontava, anunciando a Primavera.
Os silêncios breves, abriam caminho a palavras quase sussurradas que arrepiavam ambos e recordaram, sem o mencionar, as tardes em que faziam amor após o almoço, nos breves minutos que tinham, antes de retomarem a suas vidas assustadoramente insaciadas.
Um dia, enquanto se vestiam, ele dissera-lhe que não esperava mais. Ela sorrira-lhe, afagara-lhe o cabelo e, depois de o beijar longamente, saíra, batendo suavemente a porta, sem olhar para trás.
Nunca mais se viram após aquela tarde e agora, inesperado como o calor que lhes arrepiava a pele, criando a dúvida se tal se devia a isso ou à emoção da dança de palavras trocadas, o amor voltava a surgir como se nunca tivesse partido.
O telefonema terminou apressado, talvez por medo, ansiedade, ou incerteza do que estavam a sentir.
Ele demorou-se um pouco a olhar o telemóvel já desligado, voltou a marcar o número mas não fez a chamada.
A brisa beijou-lhe o rosto e partiu, deixando no seu olhar a dúvida de querer ou não o seu regresso.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Eu

"Eu não sei o que sou.
Não sei se sou o sonho
Que alguém do outro mundo esteja tendo...
Creio talvez que estou
Sendo um perfil casual de rei tristonho
Numa história que um Deus está relendo..."

Fernando Pessoa

domingo, 7 de março de 2010

Constatação


Os anos passam e sinto que cada vez faço menos ideia daquilo que realmente quero. Por outro lado, cada vez tenho mais certeza do que não quero.

terça-feira, 2 de março de 2010

Tentava eu...

... fazer uma inocente pesquisa no Google, quando me deparo com as seguintes sugestões de pesquisa:

(clicar par aumentar)


É interessante saber aquilo que as pessoas procuram quando tentam aprender a fazer algo.
Devem ter ficado esclarecidíssimos!

domingo, 28 de fevereiro de 2010

BBC Vida Selvagem


Mais do que um hábito, tornou-se uma terapia.

Hoje foi sobre o comportamento animal colectivo. Fascinante...

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Incondicionalmente



Quis a vida que o fizéssemos aos poucos, de quinze em quinze dias, e nas poucas férias que temos juntos, mas o tempo passa e a nossa relação vai ficando cada vez mais forte. A cumplicidade, o companheirismo, a compreensão, o amor, crescem e alimentam-se mutuamente.
De mim, para além do que já dei, dou os valores, aos poucos, como o biberão que tomavas quando ainda me cabias nos braços. Tu dás-me o sorriso, as partilhas. E tudo isto, sem pressas.
A vida flui e na tua tenra idade, já me compreendes nos silêncios que às vezes partilhamos. Eu, eu já te conheço, como a palma da mão. E tento ser o melhor pai do mundo, redescobrindo-me a cada dia que passa, a cada fim de semana que estamos juntos.
Quero mostrar-te o que já vi, o que isso me fez ser e o que, no meu pensar, deve ser a nossa passagem por este mundo. Tu, dás-me a mão e acompanhas-me, por vezes de mau grado, porque queres fazer sempre tudo ao teu jeito e, até nisso, somos tão parecidos... Mas sei , no fundo, que fica em ti muito do pouco que temos juntos.
Conta comigo para te aceitar como és. Sem juízos, sem prisões. Apenas umas regras aqui e ali para te encaminhar.
O resto, o resto fazes tu, debaixo do meu olhar e da mão que te ampara, até ao dia em que te sentires preparada para voar e em que eu serei o primeiro a sorrir.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Idade da Inocência

Não sei se não me recordo da minha infância por ela me ter passado ao lado ou se simplesmente esqueço algo que não quero recordar. A verdade é que esta é uma das únicas recordações de criança que me fazem sorrir e querer voltar atrás no tempo...


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Dunas nos lençóis


Vagueámos na poesia dos lençóis que morriam de saudades nossas e escrevemos versos nas dunas que a flanela forma num misto de planície e areal em que me perco insistentemente só.
Guardo-me nos passos que não dei.
E entrego-me quando já não sei quem sou, nem onde estou. Quando não me encontro no real e o sonho é uma cavalgada imparável.
Choveu nas dunas após o sôfrego sentimento.
Não estavas quando te tentei olhar.
Não esperaste que falasse. Que te dissesse que a nesta falésia escarpada, não há mais vento sem que me olhes. Não há mais prosa de gaivotas escrevinhada no céu rosa do entardecer.
Não me quiseste ouvir, porque sou um eco de ti, sou o pouco do que de nós resta.
Sou a tempestade que ao longe que se tenta fazer ouvir, mas que os gemidos perdidos nas dunas abafam ao repetir-se sempre que sonho.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Nostalgia




"...Juste un regard pour comprendre
Que c'est dans tes yeux
Que j'me sens le mieux
Juste un sourire pour te dire
Que j'ai besoin de toi
Reste et regarde moi..."

Eternamente


Na música que me deixas,
procuro incessantemente um sinal teu.
Vais, sem nunca partir.
Ficas em todos os recantos,
até onde o vento se recusa a ir,
até onde o tempo espera que voltes.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

20 anos


Há 20 anos atrás, o mundo tornou-se um lugar melhor.
Obrigado Nelson Mandela, por nos ensinares como podemos ser livres através do perdão.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Poema inconsequente

Vago o vento
que na tarde chamou a chuva
e desenhou a teia de verdades
em mais um momento
só nosso.

No silêncio da viagem
dissemos tudo o que tínhamos por dizer.

Descobri...


...uma coisa muito gira no blog da minha "vezinha" A Gaja.


Ora espreitem AQUI.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Excerto

Quero falar-vos desta casa. A casa que fiz nascer com as mãos juntos a este mar que tem tanto de plácido como de selvagem.
Criei-a à minha medida,de janelas grandes, quase sempre abertas para que a luz, os sons e os cheiros da beira-mar se sintam convidados a entrar. São eles que quero sempre perto.
A minha casa é o meu coração. Entra o puro, o natural, o verdadeiro.
Carreguei estacas, pranchas de madeira. Usei incontáveis milhares de pregos e parafusos e, no dia em que coloquei a última telha, soube que era feliz, que não precisava de mais nada para os meus dias.
Daqui, vejo ao longe pescadores a recolherem as suas redes, ou então a fazerem lançamentos e esperarem que o peixe venha. Oiço o burburinho das gaivotas, as sirenes de navios ao largo, os aviões a aterrarem e a levantarem vôo de um aeroporto não muito longe. Levam almas e sonhos, deixam saudades e lágrimas.
Daqui, vejo o mundo, o meu mundo, e as pessoas que passam e olham curiosas este velho sentado na cadeira de baloiço no alpendre em frente ao mar, são também elas mundos e não sabem nem sonham que as sei só de olhar.
Uma vez por mês, no nosso dia, abro uma garrafa do nosso vinho, e não me sento na cadeira de baloiço. Espero o anoitecer, verto um pouco do néctar no copo de escanção e, aproximando o nariz da borda, inspiro profundamente, deixando todo o seu aroma entrar em mim e provocar-me as memórias que tento apagar. Deixo-o levar a melhor de mim e passar perante os meus olhos todos os momentos, todos os lugares onde estivemos, todos os sentimentos partilhados ao som das nossas vozes, ao toque dos nossos lábios, ao prazer de degustar este vinho, o nosso vinho.
Por vezes consigo ir até junto das ondas e olhar o teu reflexo prateado, enquanto alta no céu me recordas que estás longe, e que apenas te posso desejar.
Mais do que a madeira com que a construí, fiz estas paredes com o meu ser, com toda a bagagem emocional do que vivi, do que passei, do que sonhámos.
Era este o nosso sonho, e nem a tua partida me fez recuar.
Esta casa não é só minha, é nossa.

Excerto de um pequeno conto que estou a escrever e que vou tentar publicar em livro
(é esta a surpresa)

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Nos próximos dois dias...

...estarei por aqui:
Trabalhar numa multinacional ainda tem as suas vantagens... ;)


PS: Prometo, no fim de semana, pôr as minhas leituras em dia e revelar-vos uma surpresa :)

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Um dia...


Percorro apressadamente as ruas da cidade desconhecida, sem rumo, sem destino.
Não sei andar devagar.
Cruzo-me com rostos desconhecidos, pensativos, atribulados. As diferentes etnias animam os sons e as cores de um dia carregado de vento frio e nuvens escuras. As águas do molhe, convidam a uma contemplação a que sucumbo com prazer.
Os pensamentos varrem-me a alma e, como riscos de avião num céu azul, desaparecem, pouco após terem prometido ser intermináveis. O que penso agora, em pouco tempo esqueço e, saltito assim de angústia em angústia, de sorriso em sorriso, sem me aperceber da chuva que se aproxima.
Junto ao banco onde estou sentado, as cadeiras empilhadas de uma esplanada de Verão, dão um quê de desolador ao jardim. A letargia do Inverno faz com que vivamos em estado vegetativo, em modo de espera por um Verão que tarda.
O vento, agora mais forte, começa a arrancar as primeiras gotas de chuva às nuvens ameaçadoras. Numa qualquer terra alta, estará a nevar, penso para mim.
Entro no primeiro café que encontro e peço uma bica e o jornal. Sento-me à janela, vendo os carros que passam, as pessoas que correm e as gaivotas que sobrevoam um barco parado.
As horas demoram a passar mas, em breve, terei que voltar a calcorrear estas ruas que me são estranhas e enfrentar o imprevisto.
Penso na minha cama e em como será bom mergulhar nela dentro de umas horas.
No jornal há mais notícias de assaltos, acidentes, crimes passionais. Nada que me interesse. Olho o horóscopo, que me diz a treta do costume. Não percebo esta mania. Vejo a fase da lua. Cheia, é altura de pedir desejos que nunca se concretizam. E se se concretizassem? Dar-lhes-íamos o devido valor?
Fecho os olhos e imagino-me num sítio sem o tilintar das chávenas a serem colocadas sobre a máquina, sem o barulho do moinho a moer o café, sem as vozes estridentes dos grupos de mulheres, ou as interjeições típicas dos homens de beira-mar.
Fecho os olhos e adormeço as minhas angústias.
Levanto-me, pago e saio para a rua.
Já não chove. Agora só o frio me acompanha.
Sigo os passeios apertados e percorro as ruas de mais um dia, que em breve terminará.