quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Sonho

Sonho
que posso voar

as nuvens - são o teu corpo
a chuva -  o suor
o vento - o teu respirar

Sonho
que sou o teu sol
e condenso-te nas estações do ano,

quando te amo...

Plano
inclinado sobre ti.
E deslizo abraçando o teu sorriso
na tempestade e na bonança,
na inquietação e na esperança...

Sonho
que não és mais um sonho
e do teu sorriso nascem prados verdes salpicados de papoilas
onde corro e me encontro.

E és nuvem e chuva e vento e prados e papoilas e sou o sol que te beija
e és dia e horas e segundos
e mundos
e universos
e cascatas do paraíso

e o sonho termina e a saudade esmaga!

Abro as asas... e vôo
e vou
e sou
pássaro rumo ao infinito.


sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Noite vazia

A noite está negra
do luar ausente.
O mar sussurra.

O ser dormente
rema
ruma ao vazio.

O urro da escuridão
ninguém o sente
de tantas vezes que a vela ardeu
sem chama nem pavio.

domingo, 23 de junho de 2013

Alentejo


O Alentejo
é lento,
tem alento
e tem o rio Tejo
eterno
como o desejo.

Tem o além
e as searas douradas
e o A que é o início de algo
e metade do nada.

Tem o al,
do dialeto que sabe a deserto
e as terras lavradas sob o sol do inferno
ou o prolongado inverno.

O Alentejo tem o povo que canta
sem outra música se não a que lhe soa na alma
e que assobia no vento
a tarde quente
na tempestade calma.

domingo, 14 de abril de 2013

A Cabana (1)

  A madeira rangia como um lamento da violência do vento que a fustigava ano após ano, salpicando-a de água salgada, chicoteando-a de areia como se o simples facto de ali estar justificasse essa eterna punição.
  A verdade é que nem os mais velhos se lembravam de quem tinha construído esta simples cabana de quatro paredes, duas janelas e uma porta rachada de alto a baixo, vulnerável a tudo mas trancada a duas voltas como um coração partido.
  Do alto da duna mais bela, era a rainha de toda a praia. Não pela sua arquitectura rebuscada, ou pelas suas cores atraentes, mas simplesmente por sempre ali ter estado e com esse irresistível charme do eterno, resplandecia aos olhos dos que passeavam ao fim do dia pelo areal.
  O sol beijava-a toda a tarde e era durante esse tempo, de sol alto e céu azul sereno, que as gentes juravam ouvir gemidos através das frestas que o tempo fora criando nas tábuas que, pregadas umas às outras suportavam toda a estrutura de tinta azul enrugada pelos sucessivos Verões.
  Ninguém se atrevia a aproximar, mas o que uns juravam ser gritos de dor e sofrimento, de almas penadas presas a este mundo ou até de um poço que se dizia estar no interior e levava directo ao inferno, outros diziam que os gemidos eram de prazer e que dentro da decrépita cabana, estavam as almas de dois amantes que, proibidos de explanar o seu amor, se tinham enclausurado em tempos perdidos na memória e, com o sol como testemunha, selaram o seu amor eterno ao tirarem as suas vidas em simultâneo.
  Porque só acontecia à tarde, só quando o sol estava quente e alto e o Verão no seu auge, ninguém sabia ou se atrevia a opinar, apenas sabiam que a cabana da saudade, como lhe chamava o povo, era um mistério dos antigos e que manter a distância era algo que se passava de pai para filho e a que todos obedeciam religiosamente.

(continua eventualmente)

terça-feira, 5 de março de 2013

Dias

 O vento assobia lá fora em mais uma noite de chuva. Não me incomodam, nem um, nem o outro, tão pouco   a suposta solidão que é viver sozinho.
 Quando fecho a porta, após mais um dia de trabalho, dou duas voltas à tranca e, após cumprimentar os gatos, que me recebem sempre em uníssono, dou também duas voltas à tranca da alma e fecho-me para o mundo, ou melhor, para o mundo fora de mim, o mundo que me vê. 
 Por detrás da minha porta da rua, sou o espaço que existe das paredes até às janelas e pelas janelas posso voar. Tenho o mar à minha frente e o céu que raramente se esconde e, sobretudo, não temo a chuva nem o vento. Eles são parte de mim, deste meu eu interior que se projecta nos outros como... bem... como um mar sereno, uma nuvem imóvel num céu azul quase idílico. Nada mais errado...
Quando os gatos finalmente serenam, fica o silêncio dos quadros nas paredes e dos livros ainda por arrumar nas estantes, só cortado pela televisão quando se justifica abstrair-me de mim próprio até encontrar de novo o equilíbrio. Quando o consigo volto ao silêncio da sala, do quarto, da cozinha. Não falo, nem com os gatos e sabe-me tão bem poder não falar.
 Questiono-me se conseguirei ocultar para sempre este mar e este vento que remoinham dentro de mim. Se serei eternamente capaz de mostrar placidez quando na realidade navego na orla da tempestade... Se haverá motivo para os libertar e, sobretudo, o que aconteceria se o fizesse... Mas não perco muito tempo com isso, são apenas pensamentos e, apesar do medo de tantas vezes já não saber se sou como sou ou se sou como sempre quis mostrar ser, despeço-me de gatos e, já no quarto, de luz apagada, deixo-me embalar pela música que oiço sempre antes de adormecer...


quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Dança no espaço

Danço no espaço
Que vai de mim ao teu regaço
E nesta dança embalada
Sinto que sou tudo
Que sou nada
Apenas uma estrada ladeada de pinheiros
Sobreiros
E outros seres serenos
A quem não importa o tempo
Que vai dos meus beijos ao teu abraço.

Neste baile solitário
Sem música, sem baladas ou sorrisos envergonhados,
Sou corsário neste barco desgovernado
Que sulca ondas que são dias
E tempestades que são meses
E sou, por vezes, a minha verdadeira tormenta
Porque quem grita aos quatro ventos que tudo aguenta,
É quase sempre quem mais chora em silêncio.

A noite está a findar
E o sol espreita a medo por entre as frestas da janela mal fechada.
Estico os braços
e sinto as minhas mãos vazias sem o teu corpo adormecido para tocar.
O maior medo nunca é partir, é ter sempre de ficar.