sábado, 26 de junho de 2010

La marée haute



La route chante
Quand je m’en vais
Je fais trois pas…
La route se tait

La route est noire
À perte de vue
Je fais trois pas…
La route n’est plus

Sur la marée haute
Je suis montée
La tête est pleine
Mais le cœur n’a
Pas assez

Mains de dentelle
Figure de bois
Le corps en brique
Les yeux qui piquent

Mains de dentelle
Figure de bois
Je fais trois pas…
Et tu es là

Sur la marée haute
Je suis montée
La tête est pleine
Mais le cœur n’a
Pas assez

quarta-feira, 23 de junho de 2010

O merceeiro

Dentro da minha memória de infância, por entre os retalhos do que já esqueci, há algo que deixou a sua marca e, embora esta também já tenha perdido os contornos definidos de uma verdadeira memória, ficaram os fragmentos e, sobretudo, os cheiros.
Vivi até aos oito anos no campo. Não numa localidade rural, mas efectivamente no campo, num monte ladeado de cedros povoado de pássaros que cantavam livremente e se calavam à nossa passagem.
Foi aqui que aprendi o cheiro e o sabor da natureza. Foi onde aprendi a ver a chuva bater nos vidros das janelas e escorrer, formando regatos que a minha imaginação animava. Foi quando aprendi a amar os animais, as plantas, o cheiro da terra molhada nas tardes de Outono em que o verde das searas cobria a paisagem, ocupando o espaço do castanho da terra lavrada.
Lembro-me de ver borregos a nascer e do caiar das paredes no fim da Primavera. Lembro as lareiras e os enchidos no fumeiro, o barulho dos tractores ao longe, esventrando a terra, os caçadores que todos os domingos e quintas-feiras calcorreavam quilómetros...
São estes pedaços que tento agrupar e formar uma recordação coerente de tudo o que passou, mas, quanto mais tento, mais distante me parece.
Como comecei por dizer ao início, há um episódio que ficou marcado. Talvez pela expectativa que me criava ou simplesmente porque estava destinado a revivê-lo pelos aromas.
Todas as semanas, não recordo o dia especifico, o velho jeep Land Rover subia a pequena inclinação que ligava a estrada principal à entrada do monte e buzinava duas vezes. Não me lembro se corria ou se simplesmente já o esperava. Sei que não cabia em mim de excitação, e, quando a minha mãe chegava, era ver o senhor António abrir as portas de par em par, e deslumbrar-me com o seu mundo de mercearias ambulantes.
Havia de tudo, desde chocolates, a sabão, pão, enchidos, coisas para a escola, tintas, bolos, queijos, tudo o que a minha imaginação alcançava e muito mais. Havia como que uma novidade permanente sempre que este senhor, cujo rosto já esqueci, naquilo que hoje em dia percebo ser apenas um ganha pão, nos visitava. Para mim era um vendedor de sonhos. Não daqueles utópicos e irreais, sonhos concretos, como uma chocolate da regina, ou um lápis novo para levar segunda feira para a escola. Era alguém que transportava aquilo que eu hoje valorizo mais. Ingredientes! Era com o que ele trazia que aprendi a ver a minha mãe transformar em algo delicioso. A sua feira de cores e sabores, fez-me querer aprender a verdadeira alquimia que é cozinhar.
Tudo isto pode parecer banal, mas ,ainda hoje, sempre que entro numa velha mercearia com armários de madeira e balcão gasto pelo tempo e pelas gentes (cada vez mais difíceis de encontrar), recordo-o tudo isto com carinho.
Com a alcofa aviada, a minha mãe voltava para casa e eu ficava a vê-lo partir na mesma estrada que o trouxera. Agora era tempo de arrumar as compras e deliciar-me com uma sombrinha de chocolate ou uma bomboca.
Nestes tempos em que a frieza acompanha as nossas idas às compras, normalmente em hipermercados desprovidos de calor, é bom recordar que nem sempre foi assim.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Entre o aqui e o além

Entre o aqui e o além
dorme sossegado o ser.
As andorinhas voam para sul,
quando já não há mais nada para amar.
Entre o que foi e o que está para acontecer,
corre um rio de verdades,
onde vagueia um náufrago de saudades
fugido das margens,
cansado dos tombos de tantas viagens.

O dia nasceu azul, dando as boas vindas ao Verão.
Anoiteceu calado, por já não haver nada para contar.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Post eventualmente chocante

Música original: "soltem os prisioneiros" by Delfins

Calem as vuvuzelas
calem as vuvuzelas
em todo o mundo há vuvuzelas
em todo o mundo

Calem as vuvuzelas do Rio de Janeiro
De Lisboa, Porto, Ofir, Aveiro
Guimarães, Faro, S. Paulo e Timor
Calem as vuvuzelas do montanheiro e do brenho
Calem-na, não quero ficar surdo
Tapem essa gaita, encham-na de papel
Essa vuvuzela que toda a gente vê
Essa vuvuzela que já ninguém atura

Calem!
Calem!
Calem-nas!...

calem as vuvuzelas
calem as vuvuzelas
em todo o mundo há vuvuzelas
em todo o mundo

Eu tô sem ouvir, feito num otário
Sem sair do lugar, feito um canário
Hã! Pelo que disseram lá na adega
Eu acho que tenho o direito de partir essa merda
Nós somos fortes no arremesso
E a mão é mais forte que o plástico
Livrar-nos delas é preciso, contra a Galp marchar
Se não encontrarmos nenhum sitio, é mete-las no cu de quem soprar...

Calem!
Calem!
Calem-nas!...

calem as vuvuzelas
calem as vuvuzelas
por todo o mundo há vuvuzelas
por todo o mundo

Em busca do silêncio corremos todos
Em busca da harmonia ficamos surdos...
Senão guardam a merdas vuvuzelas
Faço o que o Saddam fez aos curdos

sábado, 5 de junho de 2010

Un jour...


Não seriam mais que oito horas na manhã, pois apesar de quente, o sol ainda se anunciava.
Abri as janelas de par em par, convidando o dia a entrar nesta casa onde as paredes continuavam vazias, apesar dos quadros que as cobriam e dos aromas que invadiam altivamente todas as divisões após uma fuga inevitável do forno quente. O bolo estava quase pronto e o café pingara a última gota do filtro, criando anéis concêntricos perfeitos na cafeteira meia de café.
Controlando a ansiedade que ameaçava apoderar-se de mim, tirei a caneca, que pus suavemente sobre a mesa, onde já a esperava o guardanapo vincado.
Tirei o bolo do forno, desta vez sem me queimar. Desenformei e cortei uma fatia que, parecendo-me pequena, fiz acompanhar de outra.
Sentei-me por fim, já inebriado pelos aromas e sabores-promessa que a nossa mente tem a admirável capacidade de antecipar com imagens tão sugestivas que acreditamos, por vezes, poder trincá-las.
Era uma manhã igual a tantas outras e, como tal, deixei-me levar em pensamentos, enquanto me deliciava com o bolo de maçã e o café acabado de fazer, sem açúcar, amargo, forte, intenso, como a vida deve ser. Como a vida me habituara a ser.
A solidão não me assustava. Aprendera a gostar do silêncio característico das casas de uma só alma.
A saudade sim. Essa era a sombra que pairava no último rodar de chave quando partia pela manhã, e me esperava de braços abertos ao primeiro ligar de interruptor, quando, a altas horas, voltava do trabalho.
Nunca vivemos verdadeiramente sós. Nunca nos deitamos na cama sem uma recordação, sem uma sensação do que já vivemos. Nunca esperamos realmente por alguém, porque esse alguém já vive em nós, tenha ele acontecido no passado, ou seja apenas fruto da nossa imaginação. Assim, a solidão acaba por ser irreal, sobrevalorizada, um medo sem razão de ser.
Eram quase horas de começar mais um dia. Ia até à praia, ver o mar, sentir o cheiro, afogar a saudade e esperar, como esperava todos os dias.
Levantei-me e encalhei no gato que mirava o aquário. Não me zanguei com ele, afinal de contas, todos temos o direito a sonhar, a desejar algo proibido.
Saí para a rua e assim começou mais um dia.

quinta-feira, 3 de junho de 2010