quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Uma excepção de Natal

Em jeito de prenda para quem ainda aqui vem com alguma frequência ver se já me passou a pancada e voltei a escrever, deixo um pequeno conto que escrevi a pensar no Natal, embora não esteja directamente ligado à temática em si.
Espero que gostem, um Feliz Natal para todas.


Há muitos, muitos anos, em tempos idos que só o vento recorda, vivia à beira-mar uma princesa de olhos grandes, verdes como safiras.
O seu castelo eram as dunas da praia e os seus conselheiros as ondas que, vaga a vaga, lhe traziam os rumores do mundo distante. Falavam-lhe de terras longínquas, de sabores estranhos, de gente escura como a terra e cantigas enigmáticas e a princesa sonhava, sonhava...
Todos os dias, ao acordar, a princesa saudava o sol e, quando este se punha, despedia-se dele como se fosse da sua família, desejando que voltasse rápido a surgir no horizonte. A princesa amava o sol e amava a bruma que a fazia saltar de curiosidade. Como todos nós, vivia fascinada pelo desconhecido, mas ao mesmo tempo, sabia-lhe bem aquele correr previsível do dia a dia em que tinha o sol como sua companhia.
Certo dia, enquanto apanhava conchas e cantava com o vento que assobiava nas falésias, encontrou, quase que por acaso pois era uma princesa muito distraída, um objecto que lhe aguçou a curiosidade. Por entre algas e espuma do rebentar das ondas, um estranho artefacto brilhava ao sol. Primeiro a medo, depois confiante, aproximou-se decidida e, conforme se aproximava, a forma arredonda não dava para enganar. Era um anel. Lindo, de ouro polido e com uma pedra imponente que a fez estremecer de emoção. Como poderia aquele quase perfeito anel ter dado à costa naquele seu minúsculo reino?
Colocou-o apressadamente no indicador direito e ergueu a mão ao sol, como que pedindo aprovação ao seu fiel companheiro dos dias longos.
Maravilhada, começa a dançar alegremente pelo areal fora, suscitando a curiosidade dos seus súbditos as ondas. Exausta da correria deixa-se cair de costas e fecha os olhos. Sente a areia húmida colada ao corpo e a brisa leve a sussurrar-lhe ao ouvido "abre os olhos".

Obediente, erguendo-se, abre os olhos e vê distintamente o corpo de um rapaz, mais ou menos da sua idade, que à primeira vista lhe parecia idiota ou talvez apenas perdido.

- Perdoe-me importuná-la menina, sabe onde me encontro?

O sobressalto não a impediu de responder prontamente.

- Menina?? Eu sou uma princesa! E este é o meu reino da areia e do sol!

- Mil perdões majestade. Não era minha intenção ofendê-la. Sabeis dizer-me o caminho para casa?

- Pois se não sei onde viveis...

- Vivo no reino das nuvens e dos arco-íris. Andava a brincar à apanhada com os relâmpagos e infelizmente... acho que caí e vim aqui parar.

- Não sei que lhe diga, aqui não pode ficar. Este reino é meu e só meu.

Um silêncio constrangedor apoderou-se do espaço entre ambos, sendo apenas cortado pelo quase inaudível som de uma lágrima a escorrer pelo rosto do jovem perdido.
A princesa, tocada pelo olhar triste e visível desespero do recém-chegado, ofereceu-lhe guarida para passar a noite, com a condição que no outro dia partisse na sua busca pela forma de regressar ao seu reino de nuvens e arco-íris.
Ao crepitar de uma fogueira, sob o olhar atento e misterioso da lua, a princesa ouviu as histórias desta paragem desconhecida e ficou a saber que também ele era um príncipe no seu reino. Deixou-se levar pelas canções envolventes que ele lhe cantou e dançou timidamente quando o vento a empurrou para os seus braços.
Como uma estrela cadente, este fascinante príncipe caíra nos seus dias e, quando o sol já ameaçava surgir, a lua despediu-se e a sós, beijaram-se sob o sorriso das estrelas que também estavam de partida.
Completamente arrebatada, pediu-lhe, sussurrando, que não partisse.
Já sob o sol quente, aprovador, adormeceram de mãos dadas.

- Vem comigo.

As palavras doces acordaram-na de um sono que lhe deixara as maçãs do rosto doídas. De certeza que dormira a sorrir.

- Para onde? Nem sabes como regressar?
- Contigo encontrarei uma forma.

Despedindo-se do seu castelo de dunas e dos seus súbditos as ondas, abalou de mão dada com o príncipe que não esperava mas que lhe caíra dos céus.
Conta o vento nas falésias que treparam para o reino das nuvens e dos arco-íris por um raio de sol reflectido no anel que a princesa encontrara embrulhado em algas e espuma das ondas.
Ainda vivem nas nuvens, ainda correm nos arco-íris e sobretudo, ainda nos sussurram através do vento. Para os ouvirmos, para sermos arrebatados, basta estarmos atento. Afinal de contas, o nosso reino de solidão tem sempre espaço para mais alguém.

Feliz Natal.