quarta-feira, 17 de novembro de 2010

It's over...


Num dia de manhã chuvosa o blog Uma Casa na Praia, encerrou as portas.
Os motivos são vários, mas vão ficar todos por dizer. Aos que me seguiram ficam o meu muito obrigado e um grande pedido de desculpa.
Até breve...

terça-feira, 9 de novembro de 2010

A rapariga na janela III


Nervosa, correu até casa, por entre gente que despertava para mais um dia de trabalho e restos humanos da noite a tresandarem a vinho e luxúria. Nunca soubera a que sabia o toque de um homem, o roçar da pele, o acalmar do desejo que tantas vezes sentira subir-lhe pelas coxas e desaguar entre as pernas, a ansiar de ter um corpo no seu. Nunca sentira nada a não ser o que as letras impressas lhe transmitiam. Iria o punhal mudar isso?
Chegada a casa, derramou-se autenticamente no chão da sala. A adrenalina fazia-lhe as mãos tremer e o coração bater em taquicardia enquanto desembrulhava mais uma vez o misterioso punhal. Sentindo o toque frio da sua lâmina no rosto deslizou a ponta ameaçadora pelo pescoço, até ao peito e num movimento brusco rasgou a blusa amarfanhada que vestira à pressa poucas horas antes, deixando o peito virgem de qualquer toque, de quaisquer lábios, nu ao ar abafado da casa vazia. Deixou-se cair de costas sobre o soalho e abraçou bem forte o punhal com ambas as mãos contra o peito arrepiado do frio.
Com as lágrimas a escorrem-lhe pelo rosto, motivadas por tudo e por nada, adormeceu sob o olhar de retratos antigos de olhar reprovador e o tic tac do relógio pago com o dinheiro das minas.
No sono perturbado de uma alma sonhadora, viu-se num quarto vazio, sem portas nem janelas, sentada numa cadeira sem se poder mover. Numa pequena mesa estava o punhal e uma foto de um homem sem rosto. A escorrer num dos cantos, uma espécie de água avermelhada, brilhava com a pouca luz que as frestas do tecto deixavam entrar. Quis gritar e não conseguiu. Não tinha boca.
Um livro aberto no seu colo nu, exibia uma frase enigmática, "a tua mão no punhal segura a resposta".
Acorda bruscamente com o som de pancadas fortes na porta de casa. Estremunhada, sem se dar conta que tinham passado horas, olha em seu redor e tudo está igual. O punhal está marcado nos seus seios e um leve fio de sangue escorre-lhe pelo peito até ao umbigo. Adormecera agarrada a ele como se estivesse agarrada à própria vida.
As pancadas estavam cada vez mais fortes e faziam estremecer o ar solitário da casa. Pé ante pé, aproxima-se da porta e reconhece uma silhueta familiar. Seria possível? Depois de tantos silêncios cruzados na rua, ele estava a bater-lhe à porta. O que poderia Alberto querer dela?

(continua)

domingo, 7 de novembro de 2010

Escrever


Escrever é a minha forma de enganar a solidão que sinto nas ruas cheias de gente que tenho dentro de mim.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Haiku

Vou experimentar, a partir de hoje, uma nova técnica de poesia, o Haiku.
Para saber mais, clicar AQUI.

Espero que gostem.

As folhas secas
rodopiam pelo chão
a chuva cai.


folha vazia
parede de cal deserta
poema esperado.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A rapariga na janela II


O dia nasceu à pressa, sem lhe dar tempo de se vestir a preceito. Abotoando ainda a camisa, saiu de casa e irrompeu, intempestiva, na rua ainda deserta. Os sinos da igreja ecoavam pelo casario e a bruma retirava-se suavemente acompanhando o partir da noite, enquanto os galos competiam entre si saudando o sol que despontava.
Seguiu anónima pela podridão das vielas, em passos apressados e sôfregos, no mesmo ritmo em que corria os olhos pelas páginas de uma perseguição como a que lera na noite anterior.
No labirinto das letras que antes lhe parecia um imenso desconhecido, tornara-se navegadora, mestre do seu destino. Hoje seria mestre da sua vida também.
A vida em que se lia, a vida em que se movia, sabiam-lhe a mistério, a encanto, a descoberta, ao desejo de ser mais do que aquilo que a tinham deixado ser. Quando lia era livre, era ela. Estava na hora de também o ser na realidade.
Quando finalmente se acercou da velha oliveira olhou para trás. Ninguém a tinha seguido. Encostou-se ao tronco, ofegante, recuperando o fôlego.
O rosado do céu da aurora dava agora lugar a um tímido azul com pequenas nuvens aqui e ali. Estavam todos na missa, pensou. Era a altura ideal.
Sem perder tempo, tacteou a raiz da velha árvore até encontrar a reentrância. A medo, inseriu primeiro a mão, depois o braço quase até ao cotovelo, sentindo terra, musgo, lascas de madeira e teias de aranha e, quando estava prestes a desistir para procurar do outro lado, sentiu a forma longa e achatada. Sem esforço retirou-a e sentou-se no chão frio e húmido de orvalho. Sobre o colo começou a abrir o misterioso embrulho...
Um vento forte, inesperado, soltou-lhe o cabelo e enfunou-lhe a saia como se uma vela fosse. Apressadamente, voltou a dobrar, incrédula, o pano que cheirava às entranhas da terra e a tempos esquecidos. A mensagem no vidro da janela, onde desenhara os corações na noite anterior, era verdadeira. O punhal era real.

(continua)