domingo, 14 de abril de 2013

A Cabana (1)

  A madeira rangia como um lamento da violência do vento que a fustigava ano após ano, salpicando-a de água salgada, chicoteando-a de areia como se o simples facto de ali estar justificasse essa eterna punição.
  A verdade é que nem os mais velhos se lembravam de quem tinha construído esta simples cabana de quatro paredes, duas janelas e uma porta rachada de alto a baixo, vulnerável a tudo mas trancada a duas voltas como um coração partido.
  Do alto da duna mais bela, era a rainha de toda a praia. Não pela sua arquitectura rebuscada, ou pelas suas cores atraentes, mas simplesmente por sempre ali ter estado e com esse irresistível charme do eterno, resplandecia aos olhos dos que passeavam ao fim do dia pelo areal.
  O sol beijava-a toda a tarde e era durante esse tempo, de sol alto e céu azul sereno, que as gentes juravam ouvir gemidos através das frestas que o tempo fora criando nas tábuas que, pregadas umas às outras suportavam toda a estrutura de tinta azul enrugada pelos sucessivos Verões.
  Ninguém se atrevia a aproximar, mas o que uns juravam ser gritos de dor e sofrimento, de almas penadas presas a este mundo ou até de um poço que se dizia estar no interior e levava directo ao inferno, outros diziam que os gemidos eram de prazer e que dentro da decrépita cabana, estavam as almas de dois amantes que, proibidos de explanar o seu amor, se tinham enclausurado em tempos perdidos na memória e, com o sol como testemunha, selaram o seu amor eterno ao tirarem as suas vidas em simultâneo.
  Porque só acontecia à tarde, só quando o sol estava quente e alto e o Verão no seu auge, ninguém sabia ou se atrevia a opinar, apenas sabiam que a cabana da saudade, como lhe chamava o povo, era um mistério dos antigos e que manter a distância era algo que se passava de pai para filho e a que todos obedeciam religiosamente.

(continua eventualmente)