segunda-feira, 14 de setembro de 2009

E do céu caiu um sorriso...

Ponho o braço de fora e sinto as pingas resvalarem na pele. Aproximo o nariz e deixo-me inebriar pelo cheiro das primeiras chuvas, pela mistura de salgado do suor com o metálico da trovoada que ao longe se anuncia. O fim do Verão é lavado pelas águas que choram do cinza das nuvens que escondem o azul.
Viajo na estrada, a caminho de casa, e entre trovões e relâmpagos, abro o vidro só para ouvir o som da água a soltar-se, quando os pneus dos carros cortam caminho por entre um alcatrão alagado.
Sentia já uma saudade imensa destes fins de dia.
Na escuridão que o crepúsculo anunciou, os raios tornam-se mais frequentes, e a trovoada que pensava ter deixado para trás, revela-se cada vez mais forte, cada vez mais poderosa., cada vez mais próxima. Sinto que me seguiu porque sabe que amo olhá-la. Sabe que nada me fascina tanto como este faiscar que amedronta quem passa na rua em passo apressado a tentar fugir-lhe.
A trovoada é uma mulher misteriosa, que vem não se sabe quando, não se sabe de onde e que não deixa ninguém indiferente. Parte sem deixar rasto e só volta quando quer.
Sim, a trovoada é uma mulher. Mexe com os cinco sentidos. Obriga-nos a olhá-la, a quere-la, a desejá-la, porque desejamos sempre o desconhecido.
Estaciono o carro e deixo-me ficar um pouco a ver no vidro as gotas de chuva que o vento arrancou. Umas ficam, outras escorrem traçando um caminho irregular. Podia ser a vida este traço no vidro do meu carro. Nunca se sabe para onde a gota vai deslizar. Abre caminho até desaparecer, até perder tudo de si. Sim, esta gota de água podia ser a minha vida e o seu trilho o meu mapa.
Vou até à porta de casa, não sem antes deixar que a chuva me bata no rosto, fazendo-me esboçar um sorriso. Que bom este prenúncio de Outono, que bom este adeus do Verão.

25 comentários:

Lia disse...

e só eu nunca acho que seja verão a mais! Vá, até podia chover e trovejar uns dias se depois voltassemos ao calor!
Mas a maneira como descreves faz-me ter vontade de que chova, para ir para a varanda sentir o cheiro da terra molhada.

Só não acho que a trovoada seja uma mulher, um homem ainda vá, forte e espadaúdo!!!

Only Words disse...

Tenho pavor à trovoada. Com ela toda eu estremeço. O coração fica acelerado e o suor começa a correr-me pela face. Desculpa, mas apesar de achar a tua metáfora muito boa, sou da opinião que a trovoada não tem sexo, porque uma mulher jamais exteriorizaria a sua ira de forma tão medonha!
O Outono traz-me um sabor a saudade, a nostalgia, a tristeza. Gosto da Primavera, faz-me bem o Verão.


O teu texto está 5*!

Beijoo

sakura disse...

Cada vez escreves melhor meu amor. Adoro os teus textos. Cada palavra e sentimento impregnado na história...
Uma história real, esta que contas.
Anseio pelo nosso primeiro dia ou noite de trovoada juntos ;)

Amo-te muito.

Beijo imenso
Flôr*

Menino do mar disse...

Lia:
Quando ela chegou estava na Praia em Albufeira... e o cheiro... ai o cheiro.... é maravilhoso.

Beijo

Menino do mar disse...

Only:
"uma mulher jamais exteriorizaria a sua ira de forma tão medonha"

pois... não vou comentar, tá? lolol

Obrigado pelas tuas palavras :)

Menino do mar disse...

flôr:
E eu adoro que os adores :)
Elas só vêem quando querem :(
mas oportunidades não faltarão :)

Beijo daqueles :)

Lídia Borges disse...

Mais um texto muito bonito a revelar uma alma sensível de poeta!

Um beijo!

Cookie disse...

Seremos nas nossas vidas tão errantes como as gotas de chuva que se vão transformando nos para-brisas dos nossos carros em dias de tempestade?
Aqui pelo Norte os dias continuam quentes, o Verão vai-se despedindo lentamente, à medida que as manhãs ficam mais frescas e os dias mais curtos.
Não posso dizer o mesmo da trovoada, mas adoro o cheiro da terra molhada pelas primeiras chuvas!
Belo texto, Menino!

CF disse...

Eu por cá acho que se comparas a trovoada a uma mulher, dever ter um cadinho de medo dela :) Ou se não tens, devias. Há pois devias...

Menino do mar disse...

Lídia:
alma, pele, corpo, dedos... tudo.

Beijo

Menino do mar disse...

Cookie:
Seremos? Não... somos! :)

Beijo

Menino do mar disse...

CF:
Só tememos aquilo que não compreendemos ;)

Beijo

continuando assim... disse...

eu não vi ...nem ouvi a trovoada :( tive pena

bj
teresa

Anônimo disse...

Tô boba...

Que lindo, que sublime... MARAVILHOSO! Nossa... Como é possível escrever tão divinamente?

Somente um coração apaixonado a desenhar palavras tão... Tão incríveis! Tão sensíveis...

Estou extasiada... Que coisa mais linda.

Beijos!

DoceSussurro disse...

Olá :)
Lindo post!
Que saudades que eu vou ter do Verão...
à trovoada, de tão poderosa e misteriosa, assusta me! Mas quando ela chega, não consigo resistir a observá la... POis é, o desconhecido empurra nos para a frente, seduz nos.

Beijinho*

Lia disse...

deixei um miminho lá no meu cantinho...

Just me disse...

Presente no meu canto!

Beijo!

Pipoca dos Saltos Altos disse...

Maravilhoso, como de costume.
Na minha viagem, passei muitas noites ao luar nos decks do navio, a ouvir o mar ser rasgado, a ver a espuma branca na noite negra. O mar espelho a lua de formas maravilhosas, sempre diferentes, noite após noite. Houve uma noite, em que a temperatura era de 39 graus, que choveu e houve imensos relâmpagos. O mar negro ficava por segundos rosa, depois branco e logo regressava a negro. Vou guardar estas imagens para sempre.

Menino do mar disse...

Continuando assim:
Vão vir mais :)

Beijo

Menino do mar disse...

Gigi:
Deixas.me sem saber que dizer, a não ser um obrigado do tamanho deste mar que nos separa :)

Beijo

Menino do mar disse...

Doce sussuro:
É irresistivel, não é? :)

Beijo

Menino do mar disse...

Lia e Just:

Vou tentar desta vez não me esquecer de os pôr aqui. O gesto esse, é inesquecível, obrigado, mesmo! :)

Beijos

Menino do mar disse...

Pipoca:
Welcome back! Isso sim deve ter sido algo inesquecivel. Quem me dera!

Beijo

Daniel C.da Silva disse...

Escreveste um dos textos mais maravilhosos do que penso e sinto como tu. A nostalgia da chuva, o regresso da serenidade, as primeiras chuvas... Retratas muito fielmente uma sensação interior de paz, como aquela de ver a chuva pelos vidros do carro e sentir todo o aroma do Outono.

Simplesmente belo.

Abraço

DoceSussurro disse...

É sim... ;)

Beijinho*