sexta-feira, 10 de julho de 2009

O homem anjo

A noite não lhe trazia já a paz que tanto desejava. Algo naquele azul fora perturbado e, não sabendo bem o quê, nem como, o certo era que nem o fresco já lhe sabia ao mesmo.
A sua alma não se desprendia nem viajava já para onde se sentia realmente desejada, limitava-se a ficar, tal como o corpo, naquela cama de energia podre como um vale em que já nada cresce.
Os dias, que antes passava a correr na espera pelo escuro que o envolvesse, tinham-se tornado agora, apenas um prelúdio de mais sofrimento.
Nem o sol, nem a lua o queriam. Chegara o momento de abrir os olhos.
Sem ter para onde se virar, sem refúgio ou porto de abrigo, subiu ao monte mais alto, sobranceiro ao mar mais profundo, abriu os braço e sentiu-se um anjo. O vento sussurrava-lhe ao ouvido, tu és capaz...
Recuou sem medo. Encheu o peito de ar, tomou balanço e começou a correr, convicto que o Céu estava a segundos, a liberdade ao alcance da mão.
Mesmo a chegar à beira do precipício, esticou-se o mais que podia e sentiu as pontas dos dedos tocar o infinito.
Quando o chão lhe fugiu debaixo dos pés, abriu um sorriso, levantou o queixo, fechou os olhos e sentiu-se a pairar. Os braços cobriram-se de penas e o cabelo ondulou ao vento como as ondas do mar lá em baixo.
Cruzou o azul do céu. Reflectiu-se no azul do mar. Foi pássaro, foi anjo, foi homem livre e fez sombra ao sol.
Nos dias de Verão, quando todos afastam o olhar, encandeados pelas luz forte, ele abraça as nuvens e, se soubermos ser livres no sentir, também nós, eu, tu, o podemos ver, o homem que não temeu ser anjo.