quinta-feira, 26 de novembro de 2009

As portas

O resguardo das almas esconde-se nas portas que se fecham. São elas que nos separam do mundo, que nos protegem, que nos fazem sentir seguros. São elas que transpomos quando odiamos a solidão e que tantas vezes escondem as nossas lágrimas.
Depois, há as janelas. Essas, não as transpomos. Olhamos através delas. Observamos o mundo lá fora, tememo-lo e por fim, decidimos arriscar ou não. Muitas vezes é através delas que nos chegam os cheiros e os tons daquilo que nos rodeia, enquanto nós, enclausurados na nossa fortaleza inventamos reinos, heróis e vilões, e tudo o resto que nos permita viver sem o fazer.
É na sala das traseiras que me sinto melhor. Tem a porta e uma janela a toda a largura da parede, mesmo de frente para o imenso.
Encostada ao parapeito está a secretária. A mesma que serviu de base ao meu avô que, na sua máquina de escrever cinzenta, olivetti, salvo erro, martelou no papel as histórias que a Tia Ana lhe contava ao entardecer de dias de Verão que a minha memória não alcança.
A madeira está polida pelo tempo e é nela que deito as minhas folhas de papel, quais amantes sedentas de tinta. Transporto o azul do mar para o branco marfim do papel em traços erráticos, ao ritmo de um sentimento vagabundo.
Sai-me um poema, uma estrofe desgarrada, um texto melancólico e taciturno, a relembrar as saudades das planícies.
Já não tenho planícies que me faltem.
Flutuo no ar denso de nevoeiro e quando quero pousar, a terra falha-me sob os pés.
Cerro os olhos com força, para impedir que as lágrimas vertam um pouco da alma apertada que se amarrou ao meu peito.
A caneta cai-me das mãos. Levanto-me, fecho as cortinas e viro as costas ao som das ondas a beijarem a areia. Não quero mais mar hoje. Não quero mais sombra de sol ou reflexo de Lua. Hoje quero a minha casa. O cheiro da madeira e o ranger do soalho. Quero a cama e os lençóis frios. Hoje, quero-me a mim.

Regresso


Meto a chave na fechadura, rodo e, suavemente, empurro a velha porta de madeira ressequida pelo sol e sovada pela brisa do mar. Os cheiros trazem-me memórias.
Que saudades desta casa...